Ily se lê num sopro. Mas talvez não queira ser lido, talvez antes queira ser assistido, como uma trama de lembranças sobre uma tela branca, como imagens que terminam por evanecer, numa tarde de setembro pontilhada de cupins e enigmas. Mas, que se observe também: seus versos, espalhados sobre o papel, e contidos por espaços que ora soluçam, ora suspendem as palavras como brinquedos – como diques no cais que contêm o ímpeto das ondas do mar e ao mesmo tempo brincam com a agitação interior de suas águas –, seus versos não se deixam capturar pelo tempo, em cujo transcurso suas evocações se projetam diante de nossas retinas. Em Ily, o tempo vê-se constantemente sabotado pela reflexão existencial, moldada plasticamente na matéria espessa das palavras, constantemente deslocadas, em gestos poéticos certeiros, de seus sentidos banais e ordinários. Tanto é assim que as lembranças que evocam dissolvem-se, por fim, em “sacadas e abismos”, que nada mais acusam “além de horizonte e breu”, num silêncio sem tempo, apenas interrompido pelo ladrar de cães. Contudo, seja amalgamada numa narrativa que escorre, como chuva ou suor, seja numa vertigem que tudo suspende no tempo, a memória evocada por Ily nos faz passear pelas ruas do prazer e pelos becos da melancolia, da perda e da espera. A certa altura a poeta lamenta, com um pathos claramente pessoal e dramático, os restos de seu banquete, delineando com seus ossos e despojos as instâncias da vida e da morte. Em seu corpo sóbrio, circunspecto e profundo, Ily convida-nos a partilhar da certeza mais recôndita do fazer poético: o ofício duro da escrita, “duro como quebrar rochas”, diz-nos Clarice na epígrafe, impede-nos de virarmos presa, porque, sejamos poetas ou seus leitores, nossa “única pressa é urdir a palavra”, tornada o “mar” de nossas existências. É um convite e tanto. [Luiz Barros Montez]
Características | |
Autor | Mercia Pessôa |
Biografia | Ily se lê num sopro. Mas talvez não queira ser lido, talvez antes queira ser assistido, como uma trama de lembranças sobre uma tela branca, como imagens que terminam por evanecer, numa tarde de setembro pontilhada de cupins e enigmas. Mas, que se observe também: seus versos, espalhados sobre o papel, e contidos por espaços que ora soluçam, ora suspendem as palavras como brinquedos – como diques no cais que contêm o ímpeto das ondas do mar e ao mesmo tempo brincam com a agitação interior de suas águas –, seus versos não se deixam capturar pelo tempo, em cujo transcurso suas evocações se projetam diante de nossas retinas. Em Ily, o tempo vê-se constantemente sabotado pela reflexão existencial, moldada plasticamente na matéria espessa das palavras, constantemente deslocadas, em gestos poéticos certeiros, de seus sentidos banais e ordinários. Tanto é assim que as lembranças que evocam dissolvem-se, por fim, em “sacadas e abismos”, que nada mais acusam “além de horizonte e breu”, num silêncio sem tempo, apenas interrompido pelo ladrar de cães. Contudo, seja amalgamada numa narrativa que escorre, como chuva ou suor, seja numa vertigem que tudo suspende no tempo, a memória evocada por Ily nos faz passear pelas ruas do prazer e pelos becos da melancolia, da perda e da espera. A certa altura a poeta lamenta, com um pathos claramente pessoal e dramático, os restos de seu banquete, delineando com seus ossos e despojos as instâncias da vida e da morte. Em seu corpo sóbrio, circunspecto e profundo, Ily convida-nos a partilhar da certeza mais recôndita do fazer poético: o ofício duro da escrita, “duro como quebrar rochas”, diz-nos Clarice na epígrafe, impede-nos de virarmos presa, porque, sejamos poetas ou seus leitores, nossa “única pressa é urdir a palavra”, tornada o “mar” de nossas existências. É um convite e tanto. [Luiz Barros Montez] |
Comprimento | 21 |
Edição | 1 |
Editora | 7 LETRAS |
ISBN | 9786559055616 |
Largura | 14 |
Páginas | 60 |